O anúncio de que o Governo de Mato Grosso, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT), não irá adquirir o prédio da Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá — mesmo com sua importância estratégica para o SUS no estado — escancara uma decisão política dissociada de qualquer respaldo técnico ou planejamento operacional.
A alienação judicial do imóvel, avaliado em R$ 54,7 milhões, ocorre em meio à falta de um plano formal de desmobilização dos serviços hospitalares essenciais, como oncologia, nefrologia, cirurgia, urgência e emergência — hoje prestados pela Santa Casa a centenas de pacientes em regime contínuo.
Inconstitucionalidade por omissão: risco real à continuidade do SUS
De acordo com o artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e acesso universal igualitário às ações e serviços.
A desativação ou substituição de um polo hospitalar conveniado ou contratado requer, obrigatoriamente, planejamento técnico, pareceres da regulação e da atenção especializada, além de pactuação com os municípios impactados — nada disso foi apresentado publicamente pela SES.
O que o TCE-MT já cobrou — e a SES ignorou
O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT), por meio de relatórios sob relatoria do conselheiro Antônio Joaquim, já havia alertado em auditorias anteriores sobre:
A ausência de estudos técnicos de impacto regional antes da extinção de unidades de saúde;
A fragilidade na regulação e redistribuição de pacientes oncológicos e de hemodiálise;
O descumprimento da Resolução nº 23/2018 do CNS, que exige pactuação regional prévia em ações de descredenciamento ou transferência de serviços hospitalares;
A falta de garantia contratual de absorção imediata da demanda por outras unidades públicas ou filantrópicas.
Ao declarar que "não é intenção do governo arrematar o imóvel" sem apresentar alternativas concretas já contratadas e operacionalizadas, o secretário Gilberto Figueiredo viola frontalmente os princípios da continuidade do serviço público, eficiência e planejamento, previstos no artigo 37 da Constituição.
Riscos imediatos para pacientes oncológicos e crônicos
A Santa Casa de Cuiabá, mesmo com dificuldades estruturais e financeiras, representa atualmente um elo fundamental na rede de atenção de média e alta complexidade em Mato Grosso. Sua desativação improvisada representa:
Ruptura no tratamento de pacientes com câncer e doenças renais crônicas, que exigem continuidade, estabilidade e equipes especializadas;
Sobrecarga iminente de unidades como o Hospital do Câncer e Hospital Geral, que ainda não têm estrutura adequada ou capacidade contratualizada para absorver toda a demanda da Santa Casa;
Possível descumprimento de termos de judicialização já existentes para garantir o atendimento contínuo de centenas de pacientes.
Desrespeito institucional ao controle e aos alertas técnicos
A postura do secretário Gilberto Figueiredo, ao minimizar a gravidade da situação com frases políticas e sem qualquer documentação técnica ou cronograma pactuado, é incompatível com a responsabilidade de um gestor público que deveria zelar pela vida e saúde da população.
Mais do que um embate político, trata-se de desrespeito direto ao papel constitucional do Tribunal de Contas do Estado, que vem cumprindo sua missão fiscalizatória e orientativa com base em dados e auditorias. Ignorar essas recomendações é desprezar não apenas a legalidade, mas o direito à saúde de milhares de mato-grossenses.
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